por Renato Gaudard
A Igreja de Jerusalém experimentou um intenso crescimento em seus primeiros anos. Considerando os relatos bíblicos, no período descrito em Atos 6, havia certamente mais de 8 mil pessoas congregando naquela Igreja.
Apesar de muita perseguição sofrida, os irmãos testemunhavam conversões, curas e milagres. De forma geral, poderíamos dizer que os apóstolos estavam sendo muito bem-sucedidos no desafio de liderança daquela obra.
A Bíblia diz em Atos 5.14-16: “E crescia mais e mais a multidão de crentes, tanto homens como mulheres, agregados ao Senhor, a ponto de levarem os enfermos até pelas ruas e os colocarem sobre leitos e macas, para que, ao ar Pedro, ao menos a sua sombra se projetasse nalguns deles. Afluía também muita gente das cidades vizinhas a Jerusalém, levando doentes e atormentados de espíritos imundos, e todos eram curados”.
No início do capítulo 6, a Bíblia diz que o crescimento continua a acontecer, multiplicava-se o número dos discípulos, mas agora havia também um problema dentro da igreja. Os maiores desafios enfrentados até aquele momento eram externos, mas, agora, os apóstolos estavam diante de um problema interno, em meio à membresia. Houve murmuração dos gregos contra os hebreus porque suas viúvas estavam sendo esquecidas na distribuição diária de alimentos.
Em alguns momentos, no exercício da liderança, vamos lidar com situações em que pessoas vão estar insatisfeitas, e uma das formas de expressar essa insatisfação é por meio da murmuração ou reclamação, como ocorreu aqui.
Existem situações em que a reclamação ou murmuração ocorre sem um motivo que seja justificável. É possível que, em algum momento, pessoas estejam insatisfeitas por diversos motivos, ainda que não tenham uma razão legítima para isso. Mas também é possível que pessoas demonstrem insatisfação por motivos que são justificáveis quando, de alguma forma, não estão sendo atendidas em demandas que são lícitas.
Como líderes, precisamos fazer algo diante de um quadro como esse. Sendo justificável ou não, a murmuração precisa ser contida, uma vez que ela, por si só, carrega o potencial de destruir a unidade da Igreja.
Definitivamente, murmurar não é a forma mais adequada de demonstrar que algo está errado. Mas lidamos com pessoas com diversos níveis de maturidade espiritual, e algumas delas possivelmente vão reagir dessa forma quando se sentirem insatisfeitas com alguma coisa, somente porque não sabem expressar a insatisfação de outra maneira.
Combater a murmuração não significa necessariamente combater as pessoas que estão murmurando. É responsabilidade do líder identificar a causa, o fator gerador da insatisfação e, então, adotar as medidas adequadas para que esse problema (a murmuração em si é um problema) seja resolvido.
Quando as insatisfações não são justificáveis, cabe ao líder o desafio de tratar com aqueles que estão murmurando, trazendo as orientações pertinentes para que aquele comportamento inadequado seja corrigido, na expectativa de que suas orientações sejam acolhidas. Contudo, no contexto de Atos 6, podemos observar que a insatisfação carregava uma causa justificável, afinal de contas, havia um grupo com demandas legítimas que não estavam sendo atendidas na distribuição diária de alimentos.
Essa distribuição de alimentos era uma atividade desenvolvida na igreja de Jerusalém pelos apóstolos. Eles eram os responsáveis por esse trabalho. Isso significa dizer que essa insatisfação ocorreu por causa de um trabalho desenvolvido pelos apóstolos, que naquele momento não foi feito de forma adequada.
Mesmo que não estivessem desempenhando de forma adequada aquela tarefa, podemos ver a maneira exemplar com que se conduziram diante daquela situação:
- Eles consideraram a murmuração, as insatisfações demonstradas;
- Buscaram identificar a verdadeira causa do problema;
- Reconheceram o que precisava ser feito para que a murmuração fosse contida;
- Tomaram as providências necessárias.
Nesse contexto, foi preciso alterar a forma como as atividades eram, até então, distribuídas. Pessoas foram levantadas a partir de critérios muito bem definidos e assumiram uma parte do trabalho que era realizado pelos próprios apóstolos. Tivemos então a instituição dos primeiros diáconos, ou seja, novos líderes precisaram ser levantados por causa do crescimento, para ajudarem a resolver problemas ocasionados pelo próprio crescimento.
Outra grande lição que podemos aprender nessa agem é que, ao final desse episódio, no versículo 7 do mesmo capítulo 6 de Atos, a Bíblia diz que “crescia a Palavra de Deus, e em Jerusalém se multiplicava o número dos discípulos, também muitíssimos sacerdotes obedeciam à fé”.
Podemos observar que a Igreja estava crescendo antes que a murmuração surgisse, e que ela continuou crescendo depois. Problemas, eventualmente, vão surgir. Em algum momento, pessoas vão demonstrar insatisfações, mas os problemas não devem interromper o crescimento.
Como líderes, agindo com sabedoria diante de cada situação que se apresentar — entendendo como precisamos nos conduzir diante dos problemas — vamos continuar avançando e levando pessoas a avançarem conosco em direção ao plano de Deus para nossa vida.