por Guto Emery
No capítulo seis do livro de Atos, podemos ver que os discípulos estavam se esquecendo da distribuição diária às viúvas e decidiram escolher sete homens de boa reputação, cheios do Espírito e de sabedoria. Essas eram qualidades que deveriam ser visíveis no meio de uma grande multidão de pessoas. Viver uma vida de honestidade pode ser, de fato, um sacrifício, mas é algo vantajoso para nós.
No mundo, essa é uma qualidade em escassez. As pessoas são desonestas; elas mentem, trapaceiam e, constantemente, se mostram individualistas. Dentro da Igreja, buscamos qualidades diferentes das qualidades que o mundo tem a oferecer.
No entanto, é necessário que tomemos certos cuidados. Já ouvi pessoas falarem que a liderança é uma característica nata, que nasce com a pessoa. Entretanto, muitas vezes, é uma qualidade que tem que ser conquistada, por meio do trabalho, do esforço e da dedicação, a fim de que uma pessoa se torne aquilo que Deus quer que ela seja. Obviamente, alguns precisam trabalhar mais do que outros para que tais características brilhem de forma intensa. O importante é que você saiba o que Deus quer que você faça, para se tornar aquilo que Ele quer que você seja.
Há perigos em ambos os casos – tanto naquele líder que se esforçou mais para desenvolver suas habilidades quanto no líder “nato”. No primeiro caso, o perigo está na possibilidade dele pensar que não possui potencial ou capacidade, acabando por não desenvolver toda a estrutura necessária para cumprir o que Deus determinou. No segundo caso, a pessoa pode pensar que é melhor do que outros, achando que pode liderar sozinho. Esse último, eu acredito, é um perigo ainda maior que o anterior.
O futebol, por exemplo, é um daqueles esportes em que o esforço da coletividade leva ao êxito. Se uma pessoa é excelente, mas individualista, isso é ruim para o time. Quando jogamos futebol, queremos formar um time com os melhores jogadores; no entanto, não queremos jogar com uma pessoa boa, mas individualista, “fominha”, pois ela focará a sua atenção nos seus objetivos pessoais e se esquecerá do resto do grupo.
Querer ser o melhor pode ser algo positivo, pois pode impulsionar uma pessoa a ir além; contudo, isso pode fazê-la se esquecer dos outros. Sem contarmos com outras pessoas, não conquistamos nada, principalmente no Reino de Deus. O Apóstolo Paulo, em Romanos 12.1-2, falou sobre a renovação da mente, transformar a nossa maneira de pensar e de agir, para experimentarmos a boa, perfeita e agradável vontade do Senhor.
No versículo três do mesmo capítulo, ele disse:
“pela graça que me foi dada, digo a cada um dentre vós que não tenha a si mesmo além do que lhe convém; antes pense com moderação, segundo a medida da fé que Deus repartiu a cada um”
(Romanos 12.3)
Nesse contexto, ele fala sobre o Corpo de Cristo. Dessa forma, por exemplo, se eu atuo como uma mão, eu não posso pensar que sou melhor do que um olho. A mão toca; mas o olho vê. No entanto, o olho prepara a mão para tocar. Cada um depende do outro; somos um corpo.
O Apóstolo Paulo exaltou essa visão porque ele sabia que, se nós formos individualistas, não iremos construir muitas coisas. Acredito que Paulo tenha escrito nesta ordem, de forma proposital, pois, quando começamos a descobrir as coisas em Deus, começamos a renovar a nossa mente e a perceber que somos seres capazes. No entanto, não podemos pensar além daquilo que Deus supriu como graça a cada um de nós, pois somos um corpo e não podemos agir com individualidade.
Quando se trata de ministério, a compreensão do conceito de corpo se torna ainda mais necessária. Não funcionamos sem valorizar os outros – esse é um exercício fundamental para um cristão que está em uma posição de liderança. É preciso que tentemos compreender a situação que o outro possa estar vivenciando no momento. Sem esse exercício, corremos o risco de nos tornar individualistas, podendo descartar ou desprezar certas pessoas.
Não é Deus quem causa as situações em nossas vidas para que possamos aprender com elas. Na verdade, as situações chegam a nós, e Deus nos inspira a lidar com elas. Deus não as cria. Ele nos dá graça para armos por elas. No entanto, melhor do que ar por situações, é aprender com exemplos que já conhecemos na Bíblia. O Apóstolo Paulo era cuidadoso nas percepções que ele possuía sobre o senso de equipe. Por meio de seus ensinamentos, é muito bom sabermos que não “jogamos” sozinhos, apesar de possuirmos um chamado e ficarmos mais fortes à medida que ficamos mais ousados e intrépidos.
Você não faz parte de um ministério para que o seu nome prevaleça; você está em um time para engrandecer o nome do Senhor. Cada um é importante naquilo que está fazendo. Nem todos possuem a mesma função, mas todos são igualmente importantes.
Muitas vezes, vemos, tanto no mundo quanto na Igreja, pessoas que são realmente individualistas. A terceira carta de João fala sobre a ambição, sobre o desejo desenfreado de querer se exaltar. Quando temos uma ambição desenfreada, acabamos ando por cima de certos aspectos que são importantes. Em muitas situações, a verdade e o erro caminham paralelamente, como se um fino filamento separasse cada um, sendo relativamente fácil ar de um lado para outro.
“Escrevi alguma coisa à igreja, mas Diótrefes, que gosta de ter entre eles a primazia, não nos recebe. Pelo que, se eu aí for, trarei à memória as obras que ele fez, proferindo contra nós palavras maliciosas; e, não contente com isto, ele não somente deixa de receber os irmãos, mas aos que os querem receber ele proíbe de o fazerem e ainda os exclui da igreja. Amado, não imites o mal, mas o bem. Quem faz o bem é de Deus; mas quem faz o mal não tem visto a Deus”
(III João 1.9-11)
Essas são palavras fortes para serem faladas para um líder. No entanto, infelizmente, temos visto essa obstinação de, mesmo mediante a Palavra, não haver mudança de atitude.
Ao contrário de uma abertura para uma correção necessária, o que se percebe, algumas vezes, são pessoas orgulhosas. Ou seja, algumas pessoas são tão seguras de si mesmas que não conseguimos transmitir nenhum conselho ou orientação a elas. É perigoso quando uma pessoa, por reconhecer o próprio chamado e o próprio potencial (tendo sido reconhecida, inclusive, por outras pessoas), se torna orgulhosa a ponto de não conseguir ouvir mais ninguém, se considerando suficientemente boa e achando que pode caminhar de forma insubmissa e independente. Esse sentimento de individualismo, dentro do Corpo de Cristo, é perigoso, por gerar “células frágeis” dentro do Corpo.
Certa vez, um médico me falou algo interessante sobre o câncer. Ele explicou que as células cancerígenas nascem de anomalias na produção celular. Cada célula possui uma espécie de “placa eletrônica”, um composto químico que faz com que ela trabalhe conforme a sua espécie. Nessa placa, portanto, são encontradas as informações necessárias para que ela trabalhe conforme os seus limites. No entanto, ao se tornar defeituosa, essa célula a a desconsiderar tais limites.
Por exemplo, as células da pele sabem quando devem parar de se reproduzir, para não interferir na produção das células da unha. Esses limites, estabelecidos por Deus, são necessários para que não haja prejuízo na produção de nenhum tipo de célula. Entender esse funcionamento das células é interessante para que nós entendamos nossas limitações.
Como ministros, sem os cuidados devidos, nós ultraamos os limites e corremos o risco de achar que somos algo além do que nos convêm. Isso traz transtorno em longo prazo, pois, por sermos ministros, quando plantamos essa falta de limites em outras pessoas, elas acabarão crescendo ainda mais desgovernadas do que nós mesmos, trazendo problemas ainda maiores para o Corpo.
É necessário que nos eduquemos, que meditemos a respeito dos limites que a Palavra de Deus nos traz, para que, quando alcançarmos alguma posição de maior destaque ou quando descobrirmos nossos talentos e capacidades, não nos tornemos ministros sem limites.
É possível um líder errar? Sim, é possível. No trecho mencionado anteriormente, o Apóstolo João não diz que iria remover Diótrefes de sua posição por ter errado. Ele diz que iria instrui-lo para que ele soubesse que estava errando.
Às vezes, é difícil disciplinar um líder. Até as correções mais sutis encontram resistência. É de extrema importância que entendamos que prestaremos contas a respeito do que fazemos. Dessa forma, para tudo que fazemos, precisamos discernir se estamos seguindo os planos e propósitos de Deus ou se estamos partindo de motivações carnais.
Há regiões do mundo, em que esse senso de individualismo é muito latente. Pessoas que poderiam se juntar para trabalhar de forma muito melhor preferem trabalhar em torno de seus interesses individuais. Na Bíblia, vemos que Paulo exaltava as qualidades de Timóteo por ele não buscar seus próprios interesses, buscando, ao contrário, favorecer aos outros. É necessário que entendamos os projetos de Deus para nossas vidas.
Se uma pessoa foi chamada para ser auxiliadora, ela não deve almejar tomar a dianteira. Há pessoas que foram chamadas para atuar como uma base, como uma coluna; porém, elas insistem em almejar a liderança. Coluna não se move. Sobre uma coluna, o conjunto é sustentado.
Um aspecto que iro no Apóstolo Bud é o fato de que ele entendia que Deus tinha filhos que possuíam capacidades para fazer coisas excelentes. Assim, o Apóstolo Bud treinava ministros para que eles abrissem seus próprios ministérios. Ele sabia que, quanto maior o número de igrejas abertas, melhor para o Corpo, sendo desprovido de qualquer senso de competitividade.
Com base em seu exemplo, vemos que uma igreja se abre pautada no respeito, sem confusão ou contenda com outros. Não somos donos da visão de Deus. Se você está sob a liderança de um ministério, conheça seus limites para trabalhar no Corpo de Cristo. Lembre-se de que fazemos parte de um time dos sonhos de Deus.
Quando estamos debaixo de uma liderança que é responsável, talvez, tenhamos que escutar repreensões que não queremos ouvir, mas que são saudáveis e servem de antídoto para nós. E, quando desconsideramos essas lições, prejudicamos o Corpo. Se você é corrigido, é para que alcance patamares ainda mais altos. Seja um ministro que sabe dos seus limites. Dependemos de outras pessoas. Não podemos viver para nós mesmos nem segundo nossas próprias vontades.
É muito bom chegarmos em alguma igrejas e ver lideranças pautadas no respeito pelo potencial do próximo. Se um ministro não cresce espiritualmente, ele desenvolverá anomalias e problemas para o Corpo de Cristo. É necessário promovermos pessoas, ao o em que Deus nos impulsiona para outros níveis.
* Texto retirado da seção Liderança, da Revista Conexões edição Setembro de 2017.